domingo, 26 de maio de 2013

UMA NOVA ARQUITECTURA DE SOCIEDADE: A DEMOCRACIA SOCIAL PARTICIPATIVA (XIV)

Acabámos de analisar a proposta de modelo de exercício da soberania e politica nacional, como a primeira função essencial do Estado, constante do esquema inserido no artigo nº VII desta série (Modelo de Desenvolvimento de Economia Social – MODES).
A segunda função essencial do Estado e enunciada no mesmo esquema, diz respeito ao «Enquadramento Institucional e Jurídico).
Sobre este tema, vale a pena transcrever o texto que publiquei no blogue, em 04-10-2012, sob o título « O QUARTO PODER DA OLIGARQUIA: A CONSTITUIÇÃO»
 
« No meu ponto de vista, a Constituição de 1976, apresenta três grandes e fortes limitações:
 
1ª – É demasiado extensa (parece que a mais extensa do mundo), com quase trezentos artigos e mais do dobro de números e alíneas e é feita de regras rígidas e extremamente minuciosas, inspiradas numa miscelânea de modelos socialistas do passado;
2ª- É blindada quanto à revisão ou alteração de algumas regras, a mais limitativa das quais, a obrigatoriedade de representação proporcional (de deputados oriundos exclusivamente de partidos e propostos por partidos) na Assembleia da República;
3ª – Definição de direitos, liberdades e garantias, com natureza ilimitada ou absoluta.
 
Quanto à primeira limitação, o principal inconveniente é a falta de flexibilidade, ou seja, as regras são tão rígidas e minuciosas que, qualquer governo corre o risco de, ao introduzir uma reforma ou inovação em qualquer área da governação ou da sociedade, por vezes uma simples palavra ou frase, infringir essas regras e a norma ser considerada inconstitucional.
Esta minúcia obriga a que, governos do centro ou da direita e por vezes alguns ditos de esquerda, os que terão maior probabilidade de apresentar propostas governativas diferentes, tenham de governar à esquerda e portanto segundo o modelo rígido e minucioso, constitucional.
Podemos imaginar o que sucederia se o país precisasse de introduzir reformas de fundo, que implicassem uma alteração profunda das suas estruturas. Ficaria completamente impossibilitado.
É o que hoje está a acontecer na grave emergência nacional que estamos a viver.
Estava a terminar esta reflexão e há poucas horas o sindicato dos magistrados do Ministério Público anunciava publicamente que as medidas de austeridade eram inconstitucionais.
É a interpretação jurídica a funcionar, porque na interpretação económica elas, independentemente daquela interpretação, são acima de tudo erradas pelas consequências nefastas que irá ter para todos nós e para o país no seu conjunto.
 
A segunda limitação, tendo a ver com a proibição de alterar ou rever algumas normas constitucionais, designadamente o modelo económico de desenvolvimento e a regra da representação proporcional por lista fechada ( o eleitor vota em partidos e não em pessoas), utilizando-se o método de Hondt para eleição dos deputados.
Quanto ao modelo de desenvolvimento, embora a Lei Fundamental não defina a proporção ou peso de cada sector económico, no sistema proposto de economia mista (privado, público e cooperativo e social), a verdade é que o sistema económico português evoluiu para um peso excessivo do Estado (incluindo toda a sua estrutura orgânica e autárquica, que cresceu de forma desmesurada) e do sector público empresarial (sectores básicos da economia e empresas autárquicas) que, por via, da sua gestão danosa e nalguns casos dolosa, originou encargos adicionais incomportáveis para o Estado.
Paradoxalmente, a pouca flexibilidade existente nesta área, foi explorada, no pior sentido, pelos políticos do nosso sistema e explica, em boa parte, o rumo desastroso a que conduziram o país.
Relativamente ao sistema de representação proporcional, em lista fechada, a proibição de rever ou alterar esta norma, impede o aperfeiçoamento do sistema democrático, para formas mais evoluídas de democracia, favorecendo o jogo partidário segundo os seus interesses e excluindo a população do processo de escolha do seus candidatos, isto é, das suas regiões ( são os partidos que nomeiam os candidatos e muitos nem sequer conhecem as regiões que representam).
Todas estas limitações têm implicado uma instabilidade política quase permanente, crises permanentes, conduziu o país à falência e acima de tudo, têm impedido a realização das reformas de fundo ou estruturais, que seriam inconstitucionais, mas que teriam aberto caminho a uma rota de crescimento e desenvolvimento do país, pressupondo, naturalmente, uma governação responsável e competente, o que infelizmente também não aconteceu em quase quarenta anos desta democracia.
Se compararmos, apenas aqui na Europa, as constituições dos diversos países, todas são muito menos extensas e minuciosas do que a nossa e, no caso particular dos países nórdicos incluindo o Reino Unido, as suas constituições são diminutas e privilegiando um conjunto de princípios gerais, muito poucas regras e evitando a minúcia, exactamente para permitir a governação flexível, que permita aos diferentes governos, aplicar e adaptar os seus programas e implementar as reformas necessárias, que permitam o progresso dos países.
Em contraste, os países do sul, têm constituições moderadamente extensas, com mais regras, mas ainda assim, nada comparáveis à portuguesa, que excede em exagero todos os recordes a nível mundial, o que é característico de países saídos de ditaduras e que lidam mal com situações de incerteza.
 
Quanto à terceira limitação, a Lei Fundamental, ao definir direitos, liberdades e garantidas, não impondo qualquer limitação e portanto pressupondo a sua natureza absoluta e ilimitada, significa que qualquer cidadão, grupo de cidadãos, organização ou instituição, dentro da sua esfera de acção, poderá revindicar direitos, realistas ou irrealistas, sem serem ponderadas ou avaliadas as suas consequências.
 
Isto significa que esses direitos têm de ser satisfeitos, haja ou não recursos para os satisfazer, provoque ou não injustiças sociais, prejudique ou não gravemente os interesses superiores do país.
Ou seja, não são comparados os direitos reivindicados, com os prejuízos e as injustiças que podem causar.
Inúmeros exemplos poderiam ser dados, ao longo de quase quarenta anos desta democracia semi-representativa, de abuso e chantagem, proporcionado pela utilização deste direito constitucional.
O mais revoltante exemplo, entre outros, podemos encontrá-lo no sector dos transportes públicos (terrestres e aéreos) em que, greves selvagens e chantagistas, contribuíram significativamente para a sua ruina, ocasionaram enormes injustiças sociais e prejudicaram gravemente o país.
A renitência do nosso sistema partidário, em alterar esta Constituição, lesou gravemente o país e a maioria da sua população e apenas beneficiou os agentes do sistema, o grande poder económico, o Estado e minorias privilegiadas colocadas em sectores económicos estratégicos.
Talvez isto explique, estou convicto, o fundamentalismo partidário relativamente a esta Constituição.
No meu entender, o país só conseguirá trilhar o caminho da estabilidade, da justiça, do crescimento e do desenvolvimento, depois de vencidos estes quatro gigantes que têm esmagado o Povo Português:
-A Constituição, o Sistema Político viciado tal como está concebido, o favoritismo e excessivo Poder dos Grandes Grupos Económicos e o gigantismo e o excessivo Poder do Estado.
Só assim, poderemos abrir caminho a um Novo Sistema Político e a um Novo Modelo de Desenvolvimento económico e social.
Até lá, teremos primeiro de arrumar a casa e passar por dias difíceis, pois a pesada herança deixada pelos políticos ao Povo Português, assim o obriga, com troika ou sem troika.»
 
Este excerto, publicado em 04 de Outubro de 2012, remete-nos necessariamente para a alteração profunda da Constituição, sem abdicar, naturalmente, dos princípios fundamentais de um Estado de Direito ou, preferencialmente uma Constituição totalmente nova, adaptada aos tempos, contexto e geração actuais.
 
Para tanto é absolutamente necessário, por decisão maioritária de dois terços dos deputados na Assembleia da República, ser nomeada uma Comissão Constitucional, integrando constitucionalistas em número proporcional ao peso das forças partidárias representadas na Assembleia da República, um constitucionalista oriundo dos partidos não representados e um independente.
 
A Comissão Constitucional, em nome de uma novo paradigma económico, cultural e social, deve basear-se em princípios e valores que estejam de acordo com o novo modelo, para o qual se apresenta a seguinte sugestão:
 
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ORIENTADORES
 
1-      Reduzido papel das ideologias, sem as excluir, porque orientadoras da politica mas, pensar antes em metodologias, formas concretas de resolver os problemas e tenham aplicação prática efectiva e acima de tudo que estejam ao serviço dos interesses superiores do país.
2-      Deixar de pensar em termos de esquerda e direita, termos ambíguos e radicalizantes e antes passar a pensar em termos de social (o que melhora a vida do cidadão) e económico (a melhor forma de produzir a riqueza que possa garantir o social). A estes conceitos, mais realistas e nada ambíguos, temos de acrescentar os que permitem o efectivo desenvolvimento da sociedade, ou seja o cultural (formação e educação do indivíduo e a sua afirmação pessoal que lhe permita a sua ascensão na sociedade), o científico ( desenvolvimento da ciência e sua aplicação) e o tecnológico (as melhores formas de produzir e de aplicação da ciência).
3-      Modelo de Desenvolvimento que rompa com o socialismo estatizante, baseado na exploração da economia privada, verdadeiro sorvedouro dos recursos do país, bloqueador do crescimento, da afirmação do indivíduo e do desenvolvimento do país.
4-      Recusa do sistema de Partidos, como o único fundamento da democracia
5-      Novo sistema, mais eficaz, de controlo da democracia, a todos os níveis
6-      Garantir uma maior justiça e racionalidade na distribuição da riqueza, impedindo a grande concentração e a grande exclusão e envolvendo os cidadãos na criação e planeamento do seu próprio futuro,
7-      Impedir o enquistamento, o parasitismo e o igualitarismo, qualquer que seja o papel dos cidadãos na sociedade. A mobilidade e ascensão social dos cidadãos e o seu nível de bem-estar social e económico, têm de basear-se, não na «cunha», na protecção ou na fraude, mas no seu esforço individual, na sua competência, na sua qualificação e mérito.
8-      Uma nova concepção do Estado Social baseada, não numa quase exclusividade paternalista do Estado, mas em novos modelos inspirados na Moderna Economia Social
9-      Estado Minimalista, apenas com a dimensão adequada às necessidades do país, que cumpra a sua função ao serviço dos cidadãos, libertando-os da sua tutela e predominando a racionalização de recursos, a eficiência e a eficácia. Com função reguladora e não interventora.
10-  Responsabilização civil e criminal dos responsáveis pela administração do país, a qualquer nível, em caso de gestão dolosa ou danosa dos bens públicos ou peculato.
11-  Princípios de soberania, baseados no modelo de Democracia Social Participativa.
12-  Princípios de organização económica, baseados no modelo de Economia Social Participativa.
13-  Poder executivo e governação do país, baseada em Planos de Desenvolvimento Estratégicos (PDE´s), a longo e a muito longo prazos, que sirvam de orientação às políticas e orçamentos anuais, segundo os princípios constitucionalmente consagrados
14-  Nova Constituição flexível, baseada em princípios gerais e não em regras, mais pequena no articulado, que consagre os princípios anteriores e institucionalize o princípio da relatividade dos direitos e das garantias dos cidadãos, em função dos recursos existentes, da justiça social e do interesse colectivo.

terça-feira, 14 de maio de 2013

UMA NOVA ARQUITECTURA DE SOCIEDADE: A DEMOCRACIA SOCIAL PARTICIPATIVA (XIII)



Esquematicamente, podemos sintetizar o conceito de democracia participativa, no domínio particular do exercício do poder e da soberania, uma das peças mais importantes da nova democracia social, da forma seguinte:


1-         Participação de cidadãos independentes no processo eleitoral para legislativas e autárquicas, em listas independentes;

2-         Definição de um formato adequado do perfil do cidadão independente que se poderá candidatar, concretamente deverá possuir competências simultaneamente técnicas e político-sociais e/ou experiência de vida (profissional, social e outras a definir);

3-         Os candidatos  oriundos de partidos devem, igualmente possuir o mesmo perfil de competências;

4-         Prever certas formas de democracia directa descentralizada (participação directa dos cidadãos em assuntos de relevância social que lhes digam directamente respeito, iniciativas legislativas de cidadãos e outras, segundo formato a definir).

5-         Voto personalizado;

6-         Extinção da instituição Presidente da República, substituindo-a por um sistema presidencialista.

7-         Poder legislativo atribuído a um Parlamento bicamarário e paritário (independentes versus partidos);

8-         Redução do número de círculos eleitorais, substituindo os actuais distritos, por regiões administrativas (as definidas pela Lei nº 19/98) mantendo os círculos das regiões autónomas e reduzindo para um, os dois  círculos do exterior do país;

9-         O número de delegados ou representantes (antigos deputados) em cada câmara, é determinado proporcionalmente ao número de eleitores inscritos, sendo a conversão de votos em mandatos efectuada pelo método de Hondt. A ordenação das listas eleitorais é determinada em função do número de votos em cada candidato.

10-       O número máximo de delegados (senadores ou representantes) é de cinquenta em cada câmara;

11-       Substituição do modelo de voto homogéneo, pelo voto consciente e qualificado, por maioria  simples da soma dos votos das duas câmaras.

12-       Poder executivo atribuído a um Presidente do Governo Nacional, eleito por sufrágio directo da população;

13-       Juízes dos Tribunais Supremos e Tribunal Constitucional, independentes e eleitos por Comissão de Nomeação Independente, assim como os juízes dos restantes tribunais de 1ª e 2ª instâncias; Procurador Geral da República, nomeado pelo presidente do governo nacional.

14-       Primado da democracia eficaz e abandono da democracia exaustiva, ineficaz, pouco qualificada e manipuladora;

15-       Existência de um Conselho Arbitral, com natureza multidisciplinar e independente, que funcionará junto da Assembleia Nacional e que terá voto de qualidade, em caso de bloqueio legislativo daquela;

16-       Revisão exaustiva da Constituição, ou sua substituição, pautada por novos princípios e valores.