segunda-feira, 29 de novembro de 2010

DEMOCRACIA IMPERFEITA: A LEGITIMIDADE DOS INCOMPETENTES

Alguém, com conhecimento de causa, um dia afirmou que «a democracia é o melhor do pior dos regimes».

Esta afirmação, aparentemente disparatada, encerra algo de verdadeiro.

De facto, interpretando a frase à letra, o que ela pretende transmitir é que, dentro de um conjunto de regimes políticos possíveis, considerados maus, a democracia é o melhor deles.

Mas, apesar de ser o melhor deles, não deixa de ser mau, ou pelo menos imperfeito.

Na verdade, dentro das formas de democracia, a chamada democracia representativa, como aquela que caracteriza o regime vigente em Portugal, em que o voto não é obrigatório, não será certamente o regime ideal, pois que, como já tive ocasião de analisar num dos meus artigos, enferma de vícios e imperfeições,

E não sendo o regime ideal, presta-se a manipulações, à diminuição do universo de eleitores, por via da abstenção, deixando de ser representativa e ao voto imperfeito (leia-se não consciente, por falta de informação de grande parte dos eleitores, do que está em causa)

Presta-se a manipulações, em primeiro lugar, por influência do marketing político, por vezes demagógico, prometendo mundos e fundos às massas, mas que na prática não vai ser cumprido.

Presta-se ainda a manipulações por parte do eleitorado que pretende ver defendidos os seus interesses, económicos, financeiros, sociais ou outros. Este eleitorado exerce influência por via da pressão que exerce sobre determinado partido, que quer colocar no poder, fornecendo-lhe todos os meios possíveis, incluindo financeiros (uma forma de financiamento dos partidos) para atingir aquele objectivo.

Em segundo lugar, e muito importante, a abstenção.

De facto, este nefasto elemento da democracia, resultante do facto do voto não ser obrigatório, como convém a certas forças políticas, faz com que o universo de eleitores seja, logo à partida, substancialmente reduzido.

O que significa que, se 40% dos eleitores não votarem, porque não lhes apetece, não estão para se incomodar ou simplesmente estão descontentes com os partidos existentes ou com o sistema político, o universo de eleitores fica reduzido a apenas 60% dos eleitores com capacidade de voto, ou seja a quase a metade (por exemplo, se o conjunto de eleitores for de 8 milhões, e só votarem 60%, aquele conjunto de eleitores, ficará reduzido a 4,8 milhões).

Esta situação vai favorecer os partidos de militância, cujos eleitores, em geral não faltam às eleições, e consequentemente fará subir a sua percentagem de representatividade, que não é verdadeira, isto é, seria muito mais baixa se todos os eleitores votassem.

Por exemplo, para o Partido Socialista, que detém quase sempre o poder, a sua percentagem de 37% dos votos, representa apenas 37% do conjunto dos eleitores que votaram, ( no exemplo 37%x4,8 milhões = 1,776 milhões).

Se for calculada a representatividade destes 1,776 milhões de eleitores, em relação ao total de eleitores (8 milhões), obtemos certamente uma percentagem de representatividade muito mais baixa: (1,776 milhões : 8 milhões) x 100 = 22%.

Ou seja, uma percentagem ínfima de representatividade, pois que não chega sequer a representar ¼ do total de eleitores.

E este Partido, ou outro que conquiste poder desta forma, vai afirmar ter toda a legitimidade para governar o país, pois que foi eleito democraticamente pelo povo!

Pergunta-se, qual povo?

Em terceiro lugar o voto imperfeito.

Um voto só será perfeito, se for consciente, isto é, se o eleitor estiver perfeitamente informado do que está em causa com o seu voto e, nessa medida votar conscientemente.

E, para estar informado do que está em causa, o eleitor precisaria de formação política, habilitações literárias adequadas e perfeito esclarecimento daquilo que se pretende com o seu voto.

Dentro do universo de eleitores, provavelmente mais de metade satisfarão estas condições, até pela experiência democrática, mas seguramente uma grande parte desse eleitorado que habitualmente vota, não as satisfará.

Muitos votarão, segundo os seus interesses pessoais (desde o simples subsídio que o Estado lhe dá e não o quer perder, até ao grande grupo económico e financeiro, que pretende manter os seus privilégios), outros por mero clubismo (sou da classe média, logo voto PS, sou funcionário público, o meu partido é o PS, etc.) e até eleitores votarão pela simpatia e aparência do político candidato às eleições. Este é muito simpático, vou votar nele…

Por tudo isto, a democracia representativa, característica das democracias ocidentais, é muito imperfeita e conduz ao enviesamento dos resultados eleitorais, isto é, à falsidade desses resultados, deixando por isso de ser representativa.

Não sendo representativa, significa que é uma democracia simulada, de fachada, que permite que minorias cheguem ao poder e afirmem que têm legitimidade para governar o país, porque foram eleitas pelo povo!

Numa situação limite, a persistência desta minoria no poder, pode conduzir a uma situação muito próxima de uma ditadura (neste caso pretensamente democrática, por o regime se afirmar, incorrectamente democrático).

A persistência no poder desta minoria, conduz normalmente a excessos, a favoritismo, a clientelismo, a despesismo financeiro desmesurado e no limite à ruína de um país.

Mas pior de tudo é que, essa minoria revela quase sempre uma extrema incompetência, uma persistência no erro, a impor os seus pontos de vista, sem ponderar outras opiniões e tenderá a reflectir os seus interesses pessoais e das usas clientelas, que a ajudaram a conquistar o poder, sem se preocupar com os superiores interesses do país e da sua população.

Foi por esta via que caiu a Primeira República e provavelmente cairá a Terceira. A segunda caiu por outras razões, pois já se vivia em ditadura pura.

Este sistema dito democrático, mas de representatividade limitada, pode perpetuar no poder governos incompetentes, à persistência da incompetência, que acaba por ser legitimada pelo voto persistente sempre dos mesmos eleitores, de acordo com o mecanismo atrás referido.

Ou seja, este sistema, pode não permitir, que outras forças politicas ou independentes, porventura com maior capacidade e competência para governar um país, tenham a sua oportunidade de mostrar o que valem e desse modo serem julgadas pelo eleitorado.


Será o país que perde com este sistema e naturalmente a sua população, que pode ver-se confrontada com sérias dificuldades e no limite arruinar-se o país.

Pode, portanto concluir-se, que o sistema de democracia representativa, tal como está concebido, precisa de uma profunda reflexão e nesse sentido serem introduzidos instrumentos que corrijam as imperfeições de que enferma.

Ou seja, será necessário uma profunda revisão da Lei Eleitoral e até da Constituição, de modo a estabelecer-se um modelo de representatividade, com mais variáveis, de modo a corrigir as imperfeições do actual sistema.

No meu entender, para além de alguns mecanismos já existentes, como a moção de censura, que não funciona em caso de maioria absoluta (mas que no fundo é relativa) e poderá ou não funcionar, em maioria relativa (leia-se minoria em relação ao universo de eleitores), a revisão da Lei Eleitoral, devia contemplar os seguintes elementos essenciais:

- Voto obrigatório

O país não se pode compadecer nem sofrer as consequências da abstenção, pelo comodismo, descontentamento ou qualquer outra razão dos eleitores. Para estes eleitores há uma opção que se chama voto em branco, mas que é um voto como qualquer outro e como tal conta para efeitos de cálculo das percentagens eleitorais.
A abstenção pura e simplesmente não conta.

Além do mais, o voto é um acto de extrema responsabilidade, pois que dele depende o futuro colectivo de um país.

- Revisão do sistema de círculos eleitorais e do método de Hondt
Embora este método procure ser equilibrado e garantir, em certas circunstâncias, a representatividade das minorias, não é perfeito.

Introdução de círculos uninominais.

- Obrigatoriedade de governos maioritários

Qualquer Partido que não obtenha maioria absoluta, tem de formar governo em coligação com a força política cujo programa e princípios ideológicos esteja mais perto no espectro político.

Este princípio é fundamental para garantir a estabilidade governativa, por um lado, e por outro, permite partilhar competências com essa força política.
Garante-se assim, não só a estabilidade, como garante a participação de capacidades e competências, que estariam desaproveitadas e finalmente pode prevenir o clientelismo (leia-se a atribuição de funções públicas ou privadas de forma arbitrária, à mesma força política, os chamados «boys»).

- Eleição de uma Câmara Tecnocrática para a Assembleia da República

Esta Câmara, eleita pelo universo de eleitores, seria constituída, por deputados independentes dos partidos, com perfil e curriculum adequados para esta função e em que seria eleito um Deputado Tecnocrático por cada círculo eleitoral.

A função desta Câmara, cujos deputados teriam direito a um voto cada na Assembleia, seria contribuir para o aperfeiçoamento das leis (dada a sua experiência prática, a sua competência como agentes tecnocratas e uma maior noção das realidades do país).

O seu contributo permitiria que as leis emanadas da Assembleia da República estivessem mais próximas da realidade, corrigindo deste modo, as abstracções de leis elaboradas exclusivamente por funcionários dos partidos, por vezes completamente fora da realidade e de difícil aplicação prática.

- Avaliação técnica e política dos candidatos a deputados

Esta regra visa avaliar a competência dos candidatos a deputados.

Esta competência tem de ser baseada numa avaliação e não em meras nomeações dos partidos. Só assim podemos garantir a qualidade do trabalho dos deputados e melhorar a imagem dos políticos.

Esta regra elimina à partida qualquer nomeação de deputados por imposição de quotas ou baseada na igualdade ou paridade de género (masculino ou feminino).

A nomeação por quotas ou sexo, sem avaliação prévia, não garante competência nem capacidade técnica nem política aos deputados.

Os cargos têm de ser desempenhados em função de competências e não de quotas impostas.

A ruptura com o passado, tem de passar por aqui, como medida prioritária, caso contrário, teremos o nosso futuro colectivo, enquanto país viável, seriamente comprometido!

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