sábado, 14 de janeiro de 2012

A MAÇONARIA: RELIGIOSIDADE, FRATERNIDADE, IDEALISMO OU AMBIÇÃO DE PODER?

Porque foi o tema actual de todas as manchetes de jornais e de todos os debates televisivos, é porque o assunto despertou interesse no grande público e fez vacilar o poder político, não pela Maçonaria em si, que desde sempre tem existido, mas pela perigosa triangulação PODER-EMPRESAS-SECRETAS.

Mas, para entendermos como a Maçonaria evoluiu das suas origens tradicionais até às sociedades actuais, detenhamo-nos um pouco sobre a sua história.

A Maçonaria teve origem nas associações profissionais dos pedreiros-livres da Inglaterra, na Idade Média.

Esses pedreiros-livres (Free-Maçons) eram arquitectos e construtores de igrejas, sumptuosos palácios e obras civis, que se uniram para preservar o seu ofício especializado e defender a sua classe profissional.

Mais tarde, por volta dos séculos XVI e XVII, foram aceites antiquários e nobres como membros da organização, que enveredou pelos caminhos do ocultismo. Os cultos maçónicos visam atingir "a corporação mundial da luz" para o exercício da "arte imperial", ou seja, do apurado "trabalho de pedreiro".

Mas, o papel da maçonaria como mentora da transformação das sociedades, surge no século XVIII com a sua participação activa nos movimentos libertários americanos e europeus, como actividade conspirativa contra as monarquias absolutas e as ditaduras, como a independência dos Estados Unidos da América e a Revolução Francesa, cujo lema "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" é claramente inspirado no lema maçónico.

Grandes vultos da história, das artes, da ciência e da política mundiais, foram maçons notáveis como Voltaire, Mozart, Göethe, Mark Twain, Benjamim Franklin e George Washington entre outros.

Em Portugal, Eça de Queirós,  Almeida Garrett, entre outros, no século XIX foram maçónicos, tendo a maçonaria um papel importante na Revolução de 1820 que acabou com a monarquia absoluta e instituiu a monarquia constitucional, na implantação da República em 1910 e até durante o Estado Novo, regime ditatorial de António Salazar, que vigorou de 1926 a 1974.

A Revolução de 1974 em Portugal, de certo modo também teve origens maçónicas, embora sob a perseguição do regime vigente.

Durante o regime democrático pós 1974, as maçonarias não só se reorganizaram, como conheceram uma grande expansão.

Até 1974 as maçonarias visavam, dentro de um espírito crítico e num compromisso de religiosidade e fraternidade entre os seus membros, o aperfeiçoamento e a mudança das sociedades.

E por isso, com as revoluções que influenciaram, houve, ao longo dos tempos, grandes mudanças nas sociedades.

Pode assim, deduzir-se, por esta pequena síntese histórica, que desde as suas origens em Inglaterra e na França, a maçonaria desempenhou inicialmente funções que hoje designamos de sindicais, para defesa dos interesses de uma classe profissional, muito importante na Idade Média, que eram os pedreiros e conhecidos como pedreiros- livres.

Esta classe profissional era considerada muito importante na Idade Média, exactamente porque dela dependiam as grandes construções mandadas erigir pelos monarcas medievais (catedrais, igrejas, palácios, monumentos e grandes obras públicas), a chamada arte imperial.

É curiosa a grande transformação operada na maçonaria desde simples associação profissional dos pedreiros, passando pelo ocultismo e pela maçonaria conspirativa que derrubou as monarquias e os regimes ditatoriais (cujos membros já não eram simples pedreiros, mas pessoas influentes e com poder na sociedade),  até aos nossos dias, em que a maçonaria aparece envolvida em estranhas triangulações entre representantes de grandes interesses instalados e do poder político.

Chegámos, assim, ao cerne da questão.

Como se explica esta evolução?

No período anterior à implantação da República, as organizações maçónicas tinham uma certa ética de comportamento e de compromisso, com objectivos de mudança das sociedades, no sentido de uma melhor gestão e organização daquelas, que se pretendiam mais justas e democráticas, influência esta que culminou com a implantação do regime republicano e da democracia em 1910.

No período do Estado Novo (1926-1974) as lojas maçónicas quase desapareceram pairando apenas na clandestinidade e tendo tido apenas alguma influência limitada, no desencadear da revolução de 1974.

Com a instauração da democracia em 1974, as lojas maçónicas conheceram uma expansão sem precedentes, aproveitando as liberdades constitucionais de associação e de reunião, mas mantendo, estranhamente, a suas características secretas (limitação e escolha criteriosa de novos membros, secretismo quanto à identidade dos seus membros e secretismo quanto aos seus objectivos e assuntos discutidos).

Surge assim, uma primeira contradição.

Se anteriormente a 1974 as lojas eram secretas por força dos regimes políticos vigentes (ditaduras monárquicas ou republicanas), e compreendia-se porquê, num regime democrático onde se instituiu a liberdade de expressão e pensamento, de reunião e de associação, a característica secreta da loja maçónica deixa de fazer sentido e é algo de contraditório.

E muito menos fará sentido, titulares de cargos políticos, pertencerem a lojas maçónicas.

Isto é algo que até é contrário à ética e «modus operandi» das organizações maçónicas, ou seja, aqueles que se pretendem combater e criticar, os detentores do poder político, serem eles próprios membros das lojas maçónicas.

E então temos de concluir que, das duas uma:

- Ou os detentores de cargos políticos, os verdadeiros detentores do poder instituído, se estão a combater a si próprios, pois ao pertencerem a uma organização deste tipo estão, pela génese tradicional e histórica destas lojas, a criticar, a combater o poder político a que pertencem e exercem;

- Ou a loja maçónica tem objectivos e fins diversos daqueles que tradicionalmente têm sido o seu apanágio e neste caso o representante do poder politico visará outros objectivos.

No caso português, actualmente, cerca de 1/3 dos deputados do parlamento são membros de lojas maçónicas.

O que pretendem estes deputados? Que objectivos visam atingir? Qual a sua motivação?

Se nos centrarmos no papel tradicional da maçonaria, como organização de cariz secreto, que visa o aperfeiçoamento da sociedade e a sua transformação sesse sentido, essa é a função principal do político, pelo que não faz qualquer sentido pertencer a uma loja maçónica.

Pelas notícias vindas a lume sobre a Loja «Mozart» que integraria pelo menos um membro importante do SIS (Sistema de Informação e Segurança), o chefe do grupo parlamentar do PSD, personalidades ligadas a grupos empresariais privados e se pensarmos que uma parte significativa dos deputados da Assembleia da República, antigos e actuais ministros e militantes de partidos,  pertencem a lojas maçónicas  tudo aponta para que os objectivos destas organizações estejam a ser completamente desvirtuados e se estejam a transformar em centros de tráfico de influências e de agências de oportunidades para se alcançar o poder e uma carreira aliciante, seja no sector público, seja no sector privado.

Encontramos aqui mais um aproveitamento e manipulação das fragilidades deste sistema democrático que nos tem regido, num conjunto de muitas outras fragilidades e imperfeições.

E daí mais uma explicação para o cada vez maior atraso económico e social da esmagadora maior da população portuguesa, que passa ao lado destas manipulações e aproveitamentos, em favor de minorias, elas próprias já privilegiadas da sociedade.

Perante estes factos, surpreende-me as afirmações de Alegre e Santos, maçons assumidos e militando no partido socialista, insurgindo-se contra a obrigatoriedade dos políticos declararem a sua filiação em lojas maçónicas e classificando-a como salazarenta.

Não só é infeliz esta posição, como revela uma análise muito superficial da problemática de fundo envolvida.

Não se trata aqui de limitações ao direito de reunião e associação ou liberdade de expressão.

Trata-se sim, de algo novo e preocupante na sociedade portuguesa, que é o uso e manipulação desse direito para fins diversos e contrários ao interesse colectivo e de mecanismos de concentração de poder económico e político, completamente incompatíveis numa democracia, mesmo imperfeita como a nossa.

Entre os rituais do ocultismo e os aventais de pedreiro, algo está mal nestas organizações que, em vez de se preocuparem com ambições e concentração de poder e de manipulação democrática, se deviam centrar no seu papel e preocupar-se sim, no aperfeiçoamento desta democracia e com formas de proporcionar à esmagadora maioria da população portuguesa o digno bem-estar social que merece.

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