É a questão da refundação do
Estado, da reforma do Estado, do novo modelo de Estado Social e, por inerência,
o novo Modelo de Sociedade.
Esta questão
tem vindo a ser abordada, desde algum tempo, a propósito do corte de quatro mil
milhões de euros nas despesas do Estado, tudo apontando para as áreas sociais:
saúde, educação, prestações sociais, reformas.
A reflexão a que hoje me propus
dedicar, não terá tanto a ver com a lógica destes cortes nas áreas referidas,
que são discutíveis, até porque nem sequer se fala das outras áreas do Estado
(autarquias e toda a estrutura orgânica dependente do Estado e a renegociação
das PPP´s e contratos das rendas energéticas, que deviam ser objecto de cortes
muito mais significativos) onde, no meu ponto de vista, aqueles deviam começar,
em primeira prioridade.
Como sempre é
meu propósito, procuro sempre ir ao fundo das questões, não ficando satisfeito
apenas com as análises de forma, mas analisando os conteúdos.
Esta discussão
e o debate sobre este tema da refundação do Estado, ganhou nova dinâmica, após
a entrevista do primeiro-ministro, na 4ª feira dia 28 de Novembro à TVI, após a
aprovação do Orçamento do Estado para 2013 pela Assembleia da República.
Em quase
todos os canais o tema foi exaustivamente discutido, por comentadores das áreas
política, económica, jornalística, jurídica e até por politólogos.
Respeitando, como sempre o faço,
as opiniões desses comentadores, muito diversas, notou-se, contudo, em quase todas, a presença da tónica na carga
ideológica e fazendo da ideologia o aspecto central do debate, a partir da qual
a solução para o problema do Estado e tudo o que dele depende, tem de ser desenhado.
No meu ponto de vista, crítico em
relação a estas questões, a maior parte dos comentadores, centrando-se na
ideologia como ponto de partida, mais uma vez e como é usual, não se foi ao
fundo das questões e a análise, por esse facto, ficou-se pela forma, pela
aparência, pela superficialidade.
É que, a
ideologia, aquilo que desejaríamos como o ideal, segundo as concepções de cada
um de nós, pode afastar-se muito do real e, por isso, o ponto de partida
deveria ser sempre a tentativa do domínio e do conhecimento do real.
Quer isto dizer que, o ponto de
partida para qualquer proposta de desenho de uma sociedade, para a definição de
qualquer estratégia de desenvolvimento e para a concepção de um novo estado
social, deve ser sempre a avaliação dos meios e recursos de que dispomos e da
sua capacidade para criar riqueza, distribuí-la com justiça e equidade e que
possa garantir um nível aceitável de apoio social.
Partir da
ideologia para qualquer acção concreta, sem previamente se avaliarem os meios e
os recursos existentes, é a mesma coisa que
um General decidir lançar-se numa operação militar em larga escala, sem avaliar
previamente os recursos do inimigo e compará-los com os seus próprios recursos.
Se o fizer, ou terá muita sorte,
ou estará condenado ao desastre. Como a sorte «dá muito trabalho», o mais
provável será o desastre.
Foi sempre
este o erro em que incorreu a sociedade portuguesa, por via das crenças
ideológicas e das utopias. Pensar-se que o ideal era a mesma coisa que o real.
Por isso o enquadramento
institucional, partindo da ideologia e do ideal, falhou porque se afastou
substancialmente do real e porque não se avaliaram convenientemente os
recursos, os meios e a capacidade do país para os potenciar e garantir em
permanência.
Como o tema,
na ordem do dia, é a nova concepção do Estado e das suas funções e o novo desenho
de Estado Social, questões cruciais que vão afectar o futuro do país, a começar
pelo corte de quatro mil milhões de euros nas despesas do Estado, este tema não
pode ser tratado de ânimo leve e, com um prazo tão curto imposto pela troika
(até Fevereiro de 2013) para apresentar uma proposta, há sérios receios de que
saia mais um aborto das mãos deste governo, castigando ainda mais os mesmos de
sempre e deixando intacta a concentração da riqueza nas mãos das mesmas minorias
privilegiadas de sempre.
Mas, este
corte anunciado, que tem de ser feito com critério, já devia fazer parte dum
plano mais global, estratégico, bem estudado e já preparado para ser executado
por fases.
Esta medida apressada, apenas
para cumprir objectivos de curto prazo, que garantam a qualquer preço a redução
do défice das contas do Estado, arrisca-se a ser mais um desaire para o país,
porque, como tudo indica, é uma medida isolada, não estando integrada em nenhum
plano conhecido.
Mais uma
vez, este governo, anda a reboque dos acontecimentos, não age, e reage apenas
para tapar buracos, cada vez maiores, resultantes dos seus próprios erros,
obstinações e contradições.
E, receio bem que, nem a correcta
avaliação dos meios e dos recursos e nem sequer a ideologia estejam presentes!
Mas, como
sempre tenho defendido, tem de haver uma hierarquia no processo de tomada de
decisão e não inverter os meios pelos fins.
Num processo desta responsabilidade
e desta dimensão, em que está em causa
todo um modelo que, deve reconhecer-se, foi um fracasso, pelas razões atrás
aduzidas, e por isso tem de ser reformado e reformulado, não podemos correr os
mesmos riscos do passado e cometer os mesmos erros.
Tem de prevalecer o primado da
metodologia, como primeira prioridade, porque só esta permite, com suficiente
aproximação, fazer a avaliação quantitativa e qualitativa dos meios e dos
recursos, formular a estratégia de longo prazo, planificar as acções e definir o modelo, em
cuja base assentará, a obtenção dos resultados ou objectivos esperados.
Só a partir
daqui se poderá falar, se é que se pode falar assim de «ideologia», entendida
esta como a forma de aplicar a política nos planos económico e social e em
todas as áreas da sociedade.
Mas, qualquer que seja o plano
considerado, a boa ideologia será sempre aquela que procura atingir a sociedade no seu
conjunto, a que pugna pelo equilíbrio, pela não discriminação, pelo não
favorecimento de minorias, pela justiça, pela racionalidade, pela liberdade e
pela equidade.