«A democracia
deliberativa constitui-se como um modelo ou processo de deliberação política
caracterizado por um conjunto de pressupostos teórico-normativos que incorporam
a participação da sociedade civil na regulação da vida colectiva. Trata-se de
um conceito que está fundamentalmente ancorado na ideia de que a legitimidade
das decisões e acções políticas deriva da deliberação pública de colectividades
de cidadãos livres e iguais. Constitui-se, portanto, em uma alternativa crítica
às teorias "realistas" da democracia que, a exemplo do "elitismo
democrático", enfatizam o carácter privado e instrumental da política»
LÍGIA HELENA HAHN LÜCHMANN
Apresentados
os termos constitucionais em Portugal, pelos quais é exercido o poder político,
podemos, em síntese, concluir:
1-
Portugal é uma República,
consubstanciada por um Estado de Direito Democrático assente na soberania popular,
visando, entre outros objectivos, o aprofundamento
da democracia participativa.
2-
Uma das tarefas fundamentais do Estado consiste
em assegurar e
incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas
nacionais.
3-
O poder político pertence ao povo, mas é
exercido segundo as normas constitucionais.
4-
A soberania popular é exercida por intermédio de órgãos de
soberania, que representam o povo: Presidente da República, Assembleia da República,
Governo e Tribunais.
5-
O princípio geral de direito eleitoral é o sufrágio
directo, secreto e periódico.
6-
O referendo é uma excepção ao princípio geral e
só pode ser exercido em condições muito limitadas.
7-
Podem ser admitidas petições públicas de grupos de cidadãos, sob
certas regras.
8-
Os deputados são eleitos por círculos eleitorais definidos
pela lei eleitoral, podendo ser plurinominais ou uninominais (segundo a lei
eleitoral portuguesa, existe um círculo eleitoral por cada distrito
administrativo, no Continente, ou seja dezoito, um por cada região autónoma dos
Açores e da Madeira e dois para o exterior de Portugal, totalizando 22 círculos
eleitorais).
9-
O número de deputados eleitos por cada círculo
eleitoral, é proporcional ao número de cidadãos nele inscritos, utilizando-se o método da média mais alta de Hondt, para conversão de
votos em mandatos.
10-
As candidaturas são apresentadas, nos termos da lei,
pelos partidos políticos, isoladamente ou em coligação, podendo as listas integrar cidadãos não inscritos nos respectivos
partidos.
11-
Os Deputados representam todo o país e não os círculos
por que são eleitos.
12-
O Governo é o órgão de condução da política geral do
país e o órgão superior da administração pública.
13-
São impostos limites materiais à revisão da
Constituição.
Como se pode verificar, o nosso enquadramento constitucional, previu a soberania popular como
base do Estado de Direito e do exercício da soberania, visando inclusivamente,
o aprofundamento da democracia
participativa. No entanto,
esse poder popular só poder ser exercido segundo os termos constitucionais, ou
seja, através dum sufrágio partidário, realizado de quatro em quatro anos.
E, só pode ser exercido, através de órgãos der
soberania em que, apenas um (Presidente da República) é eleito directamente
pelo povo. Todos os outros são de nomeação partidária, incluindo a maior parte
dos Tribunais Superiores.
Afirma ainda que uma das funções essenciais do
Estado é assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos,
na resolução dos problemas nacionais, expressão ambígua, carecendo de
precisão.
Em quase quarenta anos de democracia, dita
representativa, nunca os cidadãos foram chamados a uma participação democrática
na resolução de quaisquer problemas nacionais. O referendo, raríssimas vezes
foi utilizado e quando o devia ter sido, em questões fulcrais para o país, como
a adesão à Comunidade Económica Europeia, hoje União Europeia, à ratificação
dos tratados da União, à adesão ao Euro, etc., o referendo foi recusado e tudo
foi feito nas costas do povo.
O texto constitucional prevê a eleição de
deputados por círculos eleitorais, um por cada distrito do continente, um para
cada região autónoma e dois para o exterior do país, em que esses deputados são
eleitos por listas apresentadas pelos partidos, proporcionalmente ao número de
eleitores inscritos em cada círculo e em função da percentagem de votos em cada
partido.
O método da média mais alta de Hondt, pretende
garantir uma boa proporcionalidade entre número de votos e mandatos, mas tende
a favorecer os grandes partidos, com maior representação.
Segundo a nossa Constituição, os deputados eleitos, representam todo o
país e não os círculos por que são eleitos, ou seja, na prática, os deputados
não representam os cidadãos que os elegeram em cada distrito do país (círculo eleitoral),
mas «representam» indiscriminadamente todos os círculos.
Esta contradição constitucional apresenta dois grandes inconvenientes. Por um
lado, qualquer candidato a deputado e eleito por determinado círculo ou região,
pode provir de uma região totalmente diversa daquela por que foi eleito. Um
deputado eleito por Faro, pode ser natural ou ter residência em Bragança,
desconhecendo completamente os problemas da sua região.
Por outro lado, a disciplina de voto partidária,
a homogeneidade e a impessoalidade desse voto, impede-o de representar seja o
que for.
Esta constatação é a completa negação do que deveria ser a democracia
representativa.
Embora o texto constitucional, preveja que cidadãos independentes (não
inscritos em partidos) possam candidatar-se a eleições legislativas, essas
candidaturas só poderão concretizar-se, se forem integradas em listas de
partidos ou seja, se forem aceites pelos partidos.
O governo é, constitucionalmente, o órgão de
condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública.
Detém por isso o poder executivo. No entanto, o chefe do governo, não é eleito
por sufrágio, mas resulta de nomeação pelo partido mais votado.
De igual modo, os deputados da Assembleia da
República, o órgão de soberania, detentor do poder legislativo, porque nomeados
pelos partidos, segundo critérios que ninguém conhece, não foram eleitos
directamente por sufrágio e por isso não representam nem as suas regiões, nem a
população em geral, mas apenas os interesses partidários.
Finalmente, cabe referir, que existem limites
materiais à revisão da Constituição, o que significa que, determinadas regras e
princípios, não podem ser revistos, assumindo assim a sua eternização, porque
considerados sagrados pela revolução de 1974.
Voltando ao tema deste ensaio, em que me propus desenvolver as linhas
centrais de um novo modelo de sociedade, não baseada nos princípios do
socialismo e da social-democracia, o primeiro porque se mostrou tanto de
desastroso, como de injusto e oportunista pelos seus agentes e a segunda porque
se encontra desajustada do contexto actual, face aos pressupostos que presidiram
à sua criação, enferma basicamente das mesmas injustiças e oportunismo dos
socialismos e ainda porque não conseguiu dar solução aceitável ao eterno
problema da relação capital-trabalho e da permanente conflitualidade e
antagonismo dos seus agentes.
Por isso, e como estamos a abordar o tema da
soberania e da política nacionais, como funções essenciais do Estado, esta
passagem pelo texto constitucional, visou vislumbrar alguns princípios de
soberania e do exercício do poder pelo Estado, que não consubstanciassem esse
exercício baseado na mera representação dos cidadãos e muito menos, como se viu
pela análise do texto constitucional, numa pseudo representação dos mesmos.
De facto, a nossa Constituição afirma claramente o primado da
soberania popular e da democracia participativa, logo no seu Artº 2º. Que o
poder político pertence ao povo e que a soberania popular é exercida através de
órgãos de soberania.
O problema não está, portanto, na ausência de princípios de soberania
popular, mas na forma como a Constituição obriga a exercer esses poderes e que,
na prática se traduziram numa exclusão, quase total, da participação dos
cidadãos na resolução de problemas nacionais e de intervenção na vida pública e
política.
Na prática, o regime português, fez tábua rasa de normas
constitucionais relativamente ao exercício da soberania, evoluindo para uma
partidocracia blindada, exclusiva de partidos.
De igual modo, embora previsto
constitucionalmente, o exercício da
democracia participativa e muito menos o seu aprofundamento, alguma vez teve
expressão no regime democrático português.
E a própria participação de cidadãos
independentes, em eleições legislativas, embora prevista, na prática, depende
sempre do consentimento dos partidos, pois que esses cidadãos têm de ser
integrados nas listas dos partidos.
Por tudo isto, impõe-se, em nome do aprofundamento da democracia
portuguesa, da transparência, do equilíbrio de poderes, da abertura da vida política à sociedade
civil, da qualidade das decisões legislativas e outras e da demolição do
bloqueio partidário, a definição de um novo paradigma de exercício da soberania
e do poder politico, baseado em normas constitucionais que já existem e num
ajustamento constitucional para inovações a introduzir.
É esse o propósito dos posts seguintes desta
séria de artigos.