quarta-feira, 27 de março de 2013

UMA NOVA ARQUITECTURA DE SOCIEDADE: A DEMOCRACIA SOCIAL PARTICIPATIVA (XI)




«A democracia deliberativa constitui-se como um modelo ou processo de deliberação política caracterizado por um conjunto de pressupostos teórico-normativos que incorporam a participação da sociedade civil na regulação da vida colectiva. Trata-se de um conceito que está fundamentalmente ancorado na ideia de que a legitimidade das decisões e acções políticas deriva da deliberação pública de colectividades de cidadãos livres e iguais. Constitui-se, portanto, em uma alternativa crítica às teorias "realistas" da democracia que, a exemplo do "elitismo democrático", enfatizam o carácter privado e instrumental da política»

LÍGIA HELENA HAHN LÜCHMANN

 
Apresentados os termos constitucionais em Portugal, pelos quais é exercido o poder político, podemos, em síntese, concluir:

 
1-      Portugal é uma República, consubstanciada por um Estado de Direito Democrático assente na soberania popular, visando, entre outros objectivos, o aprofundamento da democracia participativa.

2-      Uma das tarefas fundamentais do Estado consiste em assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais.

3-      O poder político pertence ao povo, mas é exercido segundo as normas constitucionais.

4-      A soberania popular é exercida por intermédio de órgãos de soberania, que representam o povo: Presidente da República, Assembleia da República, Governo e Tribunais.

5-      O princípio geral de direito eleitoral é o sufrágio directo, secreto e periódico.

6-      O referendo é uma excepção ao princípio geral e só pode ser exercido em condições muito limitadas.

7-      Podem ser admitidas petições públicas de grupos de cidadãos, sob certas regras.

8-      Os deputados são eleitos por círculos eleitorais definidos pela lei eleitoral, podendo ser plurinominais ou uninominais (segundo a lei eleitoral portuguesa, existe um círculo eleitoral por cada distrito administrativo, no Continente, ou seja dezoito, um por cada região autónoma dos Açores e da Madeira e dois para o exterior de Portugal, totalizando 22 círculos eleitorais).

9-      O número de deputados eleitos por cada círculo eleitoral, é proporcional ao número de cidadãos nele inscritos, utilizando-se o método da média mais alta de Hondt, para conversão de votos em mandatos.

10-   As candidaturas são apresentadas, nos termos da lei, pelos partidos políticos, isoladamente ou em coligação, podendo as listas integrar cidadãos não inscritos nos respectivos partidos.

11-   Os Deputados representam todo o país e não os círculos por que são eleitos.

12-   O Governo é o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública.

13-   São impostos limites materiais à revisão da Constituição.

 
 
Como se pode verificar, o nosso enquadramento constitucional, previu a soberania popular como base do Estado de Direito e do exercício da soberania, visando inclusivamente, o aprofundamento da democracia participativa. No entanto, esse poder popular só poder ser exercido segundo os termos constitucionais, ou seja, através dum sufrágio partidário, realizado de quatro em quatro anos.

E, só pode ser exercido, através de órgãos der soberania em que, apenas um (Presidente da República) é eleito directamente pelo povo. Todos os outros são de nomeação partidária, incluindo a maior parte dos Tribunais Superiores.

Afirma ainda que uma das funções essenciais do Estado é assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos, na resolução dos problemas nacionais, expressão ambígua, carecendo de precisão.

Em quase quarenta anos de democracia, dita representativa, nunca os cidadãos foram chamados a uma participação democrática na resolução de quaisquer problemas nacionais. O referendo, raríssimas vezes foi utilizado e quando o devia ter sido, em questões fulcrais para o país, como a adesão à Comunidade Económica Europeia, hoje União Europeia, à ratificação dos tratados da União, à adesão ao Euro, etc., o referendo foi recusado e tudo foi feito nas costas do povo.

O texto constitucional prevê a eleição de deputados por círculos eleitorais, um por cada distrito do continente, um para cada região autónoma e dois para o exterior do país, em que esses deputados são eleitos por listas apresentadas pelos partidos, proporcionalmente ao número de eleitores inscritos em cada círculo e em função da percentagem de votos em cada partido.

O método da média mais alta de Hondt, pretende garantir uma boa proporcionalidade entre número de votos e mandatos, mas tende a favorecer os grandes partidos, com maior representação.

Segundo a nossa Constituição, os deputados eleitos, representam todo o país e não os círculos por que são eleitos, ou seja, na prática, os deputados não representam os cidadãos que os elegeram em cada distrito do país (círculo eleitoral), mas «representam» indiscriminadamente todos os círculos.

Esta contradição constitucional apresenta dois grandes inconvenientes. Por um lado, qualquer candidato a deputado e eleito por determinado círculo ou região, pode provir de uma região totalmente diversa daquela por que foi eleito. Um deputado eleito por Faro, pode ser natural ou ter residência em Bragança, desconhecendo completamente os problemas da sua região.

Por outro lado, a disciplina de voto partidária, a homogeneidade e a impessoalidade desse voto, impede-o de representar seja o que for.

Esta constatação é a completa negação do que deveria ser a democracia representativa.

Embora o texto constitucional, preveja que cidadãos independentes (não inscritos em partidos) possam candidatar-se a eleições legislativas, essas candidaturas só poderão concretizar-se, se forem integradas em listas de partidos ou seja, se forem aceites pelos partidos.

O governo é, constitucionalmente, o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública. Detém por isso o poder executivo. No entanto, o chefe do governo, não é eleito por sufrágio, mas resulta de nomeação pelo partido mais votado.

De igual modo, os deputados da Assembleia da República, o órgão de soberania, detentor do poder legislativo, porque nomeados pelos partidos, segundo critérios que ninguém conhece, não foram eleitos directamente por sufrágio e por isso não representam nem as suas regiões, nem a população em geral, mas apenas os interesses partidários.

Finalmente, cabe referir, que existem limites materiais à revisão da Constituição, o que significa que, determinadas regras e princípios, não podem ser revistos, assumindo assim a sua eternização, porque considerados sagrados pela revolução de 1974.

Voltando ao tema deste ensaio, em que me propus desenvolver as linhas centrais de um novo modelo de sociedade, não baseada nos princípios do socialismo e da social-democracia, o primeiro porque se mostrou tanto de desastroso, como de injusto e oportunista pelos seus agentes e a segunda porque se encontra desajustada do contexto actual, face aos pressupostos que presidiram à sua criação, enferma basicamente das mesmas injustiças e oportunismo dos socialismos e ainda porque não conseguiu dar solução aceitável ao eterno problema da relação capital-trabalho e da permanente conflitualidade e antagonismo dos seus agentes.

Por isso, e como estamos a abordar o tema da soberania e da política nacionais, como funções essenciais do Estado, esta passagem pelo texto constitucional, visou vislumbrar alguns princípios de soberania e do exercício do poder pelo Estado, que não consubstanciassem esse exercício baseado na mera representação dos cidadãos e muito menos, como se viu pela análise do texto constitucional, numa pseudo representação dos mesmos.

De facto, a nossa Constituição afirma claramente o primado da soberania popular e da democracia participativa, logo no seu Artº 2º. Que o poder político pertence ao povo e que a soberania popular é exercida através de órgãos de soberania.

O problema não está, portanto, na ausência de princípios de soberania popular, mas na forma como a Constituição obriga a exercer esses poderes e que, na prática se traduziram numa exclusão, quase total, da participação dos cidadãos na resolução de problemas nacionais e de intervenção na vida pública e política.

Na prática, o regime português, fez tábua rasa de normas constitucionais relativamente ao exercício da soberania, evoluindo para uma partidocracia blindada, exclusiva de partidos.

De igual modo, embora previsto constitucionalmente, o exercício da democracia participativa e muito menos o seu aprofundamento, alguma vez teve expressão no regime democrático português.

E a própria participação de cidadãos independentes, em eleições legislativas, embora prevista, na prática, depende sempre do consentimento dos partidos, pois que esses cidadãos têm de ser integrados nas listas dos partidos.

Por tudo isto, impõe-se, em nome do aprofundamento da democracia portuguesa, da transparência, do equilíbrio de poderes,  da abertura da vida política à sociedade civil, da qualidade das decisões legislativas e outras e da demolição do bloqueio partidário, a definição de um novo paradigma de exercício da soberania e do poder politico, baseado em normas constitucionais que já existem e num ajustamento constitucional para inovações a introduzir.
É esse o propósito dos posts seguintes desta séria de artigos.

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